(1) O café finalmente voltou a ter o gosto de sempre. Neste domingo (7) saí de um período de 14 dias isolado num cômodo aqui em casa. Testei positivo para covid-19. Não tive sintomas graves. Não tomei medicamentos exóticos. O máximo que ingeri foi uma “dipironazinha” para controlar a temperatura, que no máximo chegou a 38.4°. Tudo seguindo orientação médica. Febre febre mesmo, hoje em dia, só vale a partir dos 38.5°. E também tomei um relaxante muscular. Fora isso, fadiga, dor nas costas e um pouco de tosse, garganta arranhando (foi o primeiro sinal). Paladar e olfato alterados por dois dias. Isso é esquisito. Muito.
(2) Desde terça-feira (2) não apresento qualquer sintoma. Nova consulta me liberou para as atividades fora de casa. A recomendação foi que continuasse usando máscara. Durante os dias da contaminação, tomamos aqui todas as medidas preventivas: fiquei recolhido sem contato com o resto da família, sem poder sair do escritório. E eles, por sua vez, ficaram recolhidos em casa. Somos dois adultos, um adolescente e uma criança de 4 anos. Todos seguiram o protocolo. Avisamos inclusive ao condomínio. E agradeço imensamente a todos que se dispuseram a ajudar e se preocuparam com nossa situação: obrigado! Agradeço especialmente a Elisa e a Joaquim, que se uniram e deram todo o suporte necessário para que pudéssemos passar por isso da melhor maneira possível. E também a minha irmã, Gercimália, minha enfermeira do coração.

(3) O isolamento – que não é possível para todos, eu sei – me fez pensar exatamente nas milhares de pessoas que não podem dispor dessa condição de se isolar. Ou trabalhar de casa, como pude, mesmo estando assumindo um cargo novo em outra empresa. E também em outras milhares de pessoas que podem dar essa contribuição de ficar em casa para ajudar no combate à doença, mas insistem em contestar essa verdade: de que o isolamento social é o único bote disponível que pode nos levar a um porto seguro, mesmo que ele ainda não esteja visível. E há mesmo pessoas próximas de mim que têm esse posicionamento infeliz. Uma lástima.
(4) Durante a doença, mesmo não apresentando sintomas mais graves, não há como não pensar numa fatalidade. E como fica a família caso essa doença me mate? Isso é o pior. Mas entre uma dor nas costas e uma tosse, o cara joga esse pensamento para o dia seguinte, e vai enfrentando um dia de cada vez. Com o cenário melhorando, essa onda se afasta. Durante os 14 dias, Miguel (4) ficou febril; Joaquim (18) teve dor de cabeça; e Elisa teve uma dor no peito e cansaço. Mas todo mundo ficou bem rapidamente. Foi só preocupação mesmo e disso não passou.
(5) O fato de não ter tido nada, não reduziu para nossa família a ameaça que a doença representa. Tenho pais idosos. Não os vejo pessoalmente desde março. Minha irmã teve de ficar em quarentena por 28 dias. Os sintomas nela foram muito mais fortes. Para completar, todos esses dias acompanhamos o noticiário mostrando casos de pessoas com 40 e poucos anos que acabaram morrendo. O fato de não ter tido quase nada também não mudou em mim o pensamento que desde o início tenho sobre essa doença. Ela é uma ameaça real e pode ser combatida com inteligência. Temer e evitar, para prevenir. Simples assim.

(6) É muito mais que triste e vai muito além do lamentável testemunhar o comportamento de parte da sociedade, do governo brasileiro e de alguns outros gestores diante dessa desgraça, num degradê que vai da mais pura falta de senso e inteligência à pura e simples falta de empatia lambuzada de maldade. Entrará para a história como erro imperdoável a falta de amparo econômico às populações mais necessitadas ante a cobrança que elas fiquem em casa. E essa dívida não será só do governo federal: governos estaduais e prefeituras também estão se fazendo de doidos. Não posso aceitar que num momento de crise como este não seja possível a desvinculação/liberação de recursos por puro e simples respeito ao orçamento. A lei precisa servir ao povo, às suas necessidades. E não à mera programação financeira feita no ano anterior.
(7) A motivação para este texto surgiu da necessidade de informar a pessoas próximas sobre tudo o que aconteceu. Mas também para deixar claro que o fato de um caso não ter resultado em morte ou internação numa UTI não significa que isso pode ser usado como argumento para baixar a guarda. Estamos agora entrando possivelmente na pior fase dessa desgraça, com hospitais particulares e públicos lotados e sem a capacidade de ampliação de leitos. É uma porta pequena demais para a quantidade de pessoas que precisará passar. A saúde não consegue burlar as leis da física. É simples. Mais do que nunca precisamos respeitar as recomendações da ciência e da saúde. Me agarro à esperança de que isso tudo nos ensine uma lição e que isso – em curto tempo – gere aprendizado e melhora para toda a sociedade. E que saiamos desse período com grande parte da população imunizada – à esquerda e à direita, acima e abaixo – de outras duas chagas muito piores que a covid: o ódio e a ignorância.
PS.: Hoje é domingo dia 7 de junho de 2020. No Mundo já morreram 401,2 mil pessoas. No Brasil, atualmente o segundo no ranking da contaminação, já são 35,9 mil vítimas. Há um detalhe no caso brasileiro: o próprio governo federal mantém postura totalmente inapropriada no combate à doença. O Ministério da Saúde atualmente é comandado por um general que entende tanto do assunto quanto o presidente Jair Bolsonaro entende de poesia. Agora o governo federal resolveu esconder os dados referentes às mortes causadas pela covid-19. No Rio Grande do Norte, são 410 mortes. Não há perspectiva de vacina em curto prazo. Solidariedade aos familiares dos mortos.